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segunda-feira, 14 de abril de 2014

Poemas Manoel Barros

O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.
BARROS, Manoel de. O apanhador de desperdícios. In. PINTO, Manuel da Costa.
Antologia comentada da poesia brasileira do século 21. São Paulo: Publifolha, 2006. p. 73-74.


É próprio da poesia de Manoel de Barros valorizar seres e coisas considerados, em geral, de menor importância no mundo moderno. No poema de Manoel de Barros, essa valorização é expressa por meio da linguagem
  simples, porém expressiva no uso de metáforas para definir o fazer poético do eu-lírico poeta.

Comentário: A linguagem da poesia jamais é denotativa ou referencial, pois a denotação e a referencialidade relacionam-se, respectivamente, ao sentido real das palavras e à representação do mundo com ênfase no próprio mundo, e não na visão que o artista tem dele. A poesia fala por imagens, que representam uma expressão nova, e não por palavras “fatigadas de informar”;  nela prevalece a conotação.  Adjetivos como rebuscada e hiperbólica não se aplicam a Manoel de Barros, que é um poeta direto, econômico, próximo da natureza. 

A linguagem de Manoel de Barros é simples, expressiva, e apresenta metáforas para definir o fazer poético. Exemplo: “Dou mais respeito/ às (palavras) que vivem de barriga no chão/ tipo água pedra sapo.”




Poema VII de “Uma didática da invenção”
No descomeço era o verbo.
Só depois é que veio o delírio do verbo.
O delírio do verbo estava no começo, lá onde a criança diz: Eu escuto a cor dos
passarinhos.
A criança não sabe que o verbo escutar não funciona para cor, mas para som.
Então se a criança muda a função de um verbo, ele delira. E pois.
Em poesia que é voz de poeta, que é a voz de fazer nascimentos – O verbo tem que pegar delírio.
(BARROS, Manoel. O livro das Ignorãças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994. p. 17)


http://www.filologia.org.br/xv_cnlf/tomo_3/178.pdf




Sabrina

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